quinta-feira, 13 de maio de 2010

Tudo tem um caminho

A minha paixão pelas abelhas começou já tarde, durante uma árdua sessão de estudo da disciplina "Behaviour and Cognition", no segundo semestre do mestrado mais duro que imagino ser possível. Lembro-me exactamente do nascimento da paixão, a horas muito tardias, sentada na secretária virada para a janela. Era Primavera, mas para mim era indiferente, pois só saia do quarto para ir à biblioteca ou ao supermercado. Faltava pouco para o começo do dia. No meio de centenas de paginas para decorar, entender e assimilar, encontrei um assunto que nas aulas me tinha passado despercebido. O comportamento das abelhas. Até recordo a primeira página, com os esquemas da dança-comunicação e do sistema de orientação solar destes pequenos seres. Ao ler sobre o assunto o meu estado de cansaço foi lentamente transformado em agitação interior, fascínio, autêntica admiração e surpresa. Aquilo que lia ultrapassava tudo o que tinha lido pertencente à disciplina até então. E recordo ter olhado para a janela e o dia nascia. Olhei para todo aquele verde, para as flores que livremente cresciam, ainda sem saberem que em breve seriam cortadas rentes, disciplinadamente pelo jardineiro da faculdade, uma rotina de que não gostava nada (mesmo que talvez necessária) e observei a imagem com outros olhos. Tinha encontrado um assunto que me apaixonava. Memorizei tudo relativo às abelhas logo à primeira leitura. Ao contrario de todos os outros assuntos, este foi absorvido pelo meu cérebro, como se tivesse encontrado água no deserto. Falei sobre as abelhas a todos que me rodeavam, desde pessoas que nunca tinham pensado em abelhas (a não ser como associação a vespas e logo incluídas no saco de importunas e perigosas) a pessoas que, como eu, tiveram que as estudar para o mesmo exame. Se aquele exame tivesse sido só sobre abelhas, teria tido a nota máxima. Infelizmente, apenas me valeu uma elaborada resposta, à qual, soube mais tarde, foi cotada com o valor total. Desde então, tenho acumulado alguma informação sobre o comportamento e a vida das abelhas. Durante algum tempo, enquanto necessitava de decidir qual a área a seguir para carreira, informei-me (sonhadora) sobre os poucos laboratórios que estudam as abelhas na Alemanha. Mas a realidade chamou por mim, e acabei por seguir o caminho lógico.

Por vezes, ainda me sai da boca excertos desta paixão, basta a palavra mágica "abelhas". Principalmente se é dita em contexto de repulsa. Não me contenho, metralho um sumário sobre a vida fascinante destes pequenos seres com apenas (aproximadamente) um milhão de neurónios. Tudo dito com os olhos brilhantes da paixão que tento disfarçar, mas que sinto. Faço o possível para que aquela pessoa não volte a olhar para estes pequenos seres de grandes olhos (ocupando a maior parte da cabecinha pequena) e fofinhos como os gatinhos fofinhos (são cobertas de penugem à qual se prende o pólen) da mesma maneira. A partir daquele momento, tenho esperanças que a próxima vez que vejam uma abelha lhes passe pela cabeça parte daquele conhecimento que adquiriram e não a tratem como uma vespa (não tenho nada contra as vespas, embora já tenha sido picada por culpa minha).

Quando li a primeira noticia sobre o dramático colapso das colónias de abelhas, há cerca de 4/5 anos, senti literalmente o coração a partir-se-me (Só nos EUA verificou-se um declínio de mais de 70% das abelhas no ano 2006). Comecei a ler sobre as possíveis causas para tal tragédia. Assim, foram as abelhas que me dirigiram para o actual interesse sobre as plantas geneticamente modificadas. Tudo tem um caminho.

No dia a sequir a ter publicado o post "Jardinagem na cozinha", sentei-me à secretária para trabalhar e quando me ia levantar para ir à cozinha, vi uma mancha escura no chão. Que porcaria é esta, pensei. Aproximei-me para ver melhor e de repente a mancha mexeu-se um pouco. Distingui uma patinha num amontoado escuro de penugem. Era uma abelha. Nunca tinha tido uma abelha em casa. E de repente lembrei-me: as flores do post que publiquei. Tenho plantas de flores na varanda, mas estas plantas do post tenho-as na parte de dentro da janela da cozinha, porque são comestíveis. Lembrei-me de ter visto uma abelha tentar entrar pela janela da cozinha, mas na altura apenas fechei a janela e não fiz a conexão. O bichinho contorcia-se sobre si muito lentamente. Não faço ideia como chegou aos meus pés, pois não a vi voar, não a tinha visto dentro de casa seja onde for. Veio morrer aos meus pés. Não ao pé dos vasos, não ao pé das janelas. Aos meus pés. Não sei quanto tempo esteve ali moribunda. Calculo que de alguma forma tenha entrado pela janela da cozinha, mas depois não tenha conseguido sair. Ainda tentei cuidadosamente (para minha protecção também) levantá-la, mas já não havia nada a fazer. As abelhas são bichinhos extremamente vulneráveis (não sobrevivem a uma noite fora da colmeia). Coloquei-a em cima de um papel e atirei o seu corpo já sem vida pela janela. A seguir pus as plantas com flor na varanda. Para esta abelha isso já não interessava. Menos uma.


4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é...
Por cá a situação não é tão diferente da dos EUA...
Ver aqui uma das principais causas, juntamente com as monoculturas OGM, do extermínio em massa destes animais fabulosos...
Mas se perguntar a alguém quando foi a última vez que viu uma abelha no local onde mora... qual será a resposta?!?

Jeune Dame de Jazz disse...

Só me ocorreu:
"Raconte moi des rêves
Au gout du ...
Sur un bout des rêves
le long de ton coup
Le soleil c'est dessiné
Sur ta peau saline
Dessine moi une abeille
que je te butine" (Stacey Kent).

Anônimo disse...

Desenha-me uma abelha!!!

Acho que muitas das crianças que vivem hoje nas cidades de muitos países nunca viram uma abelha à frente...

ecila disse...

voz a 0 db, também acredito que os pesticidas têm uma boa quota parte da culpa. Tens toda a razao, a maioria das criancas a viver em cidades nao sabe o que é uma abelha (excepto as dos desenhos animados).

Jeune Dame de Jazz, obrigada por tao bonito poema :)