Custa-me que não se veja o óbvio, e normalmente quem não vê o óbvio é quem nasceu dentro do problema e logo não o vê como um problema, mas sim como normal. É assim que as maiores atrocidades, torturas e violações dos direitos humanos e animais acontecem. Com o consentimento e a defesa de pessoas que nasceram rodeadas desse ambiente e logo acham-no normal. É por exemplo muito mais fácil de identificar os problemas de um país quando saímos desse país. Pois quando vivemos nele, a maioria das coisas nem pomos em questão (e até defendemos), porque sempre foi assim. O mesmo se passa quando chegamos a outro país e identificamos logo problemas que os locais nunca tinham reparado ou pensado nisso. E por muito que me custe que não se veja o óbvio, claro que eu, também não o vejo muitas vezes. Não sou a excepção divina.
Mas depois temos aquele óbvio que é tão linear que até me dá dores de cabeça. Há duas questões que me parecem obviamente erradas. A tourada e a caça à baleia e ao tubarão. Muitas outras o são também, mas estas andam sempre na ordem dos assuntos discutidos por todo o lado. Todos os argumentos a favor destes actos soam-me a justificações para se fazerem coisas que se sabem ser erradas. Desde criança que me angustiava ver as chamadas picadas, garraiadas e touradas. A família, principalmente os homens, tentava sempre pôr-me a rir, minimizam a coisa, diziam que o touro até se divertia. Já isso me soava a que algo errado se passava. A necessidade de minimizarem a coisa, de me distraírem, já me dava nas entranhas a sensação de que a minha angustia não era despropositada. Podemos dizer que nos estamos nas tintas para o sofrimento animal, acho isso mais honesto. Por exemplo, tenho uma amiga que me dizia que não quer mesmo saber dos animais, nem do seu sofrimento. Ela dizia-me que os animais existem para nos servirem. E eu achava isso mais honesto. Não se punha cá com tretas de justificações para parecer melhor pessoa. Também pôs na cabeça comprar um casaco de peles (agora fazem de pele de coelho que é para o pessoal pensar que está tudo a ser aproveitado). Eu só lhe disse "não contes comigo para andar contigo na rua". Estava a falar muito a sério e ela optou por não comprar. Ela também me dizia sempre, que sabia que era egoísta e que pensava nela primeiro que tudo. Pronto, honestidade. Opções honestas. Tenho amigas que me dizem que entendem que eu não goste de touradas, mas que elas gostam porque gostam do ambiente, nasceram naquilo. Embora concordem que se tortura os animais. Dizer que se gosta de touradas porque se gosta mais da festa, do que do touro, é honesto. Não se ponham é com teorias inventadas para apaziguar o que é óbvio. Na tourada tortura-se os animais e esta é a verdade. Podem chamar-lhe festa, tradição, desporto. Chame-se o que se quiser. Porque a tradução é tortura em prol do divertimento e da vaidade humana.
O Japão arranjou uma destas belas desculpas para andar a fazer aquilo que todos sabemos que é errado. Matam baleias e chamam-lhe investigação. Depois a carne é vendida nos supermercados. Não há indícios significativos dos resultados da suposta investigação e a comunidade cientifica anda chateada com isto. Mas o lobbie é grande. Assim como o lobbie da tourada. O dinheiro chama mais alto e pronto. É ver reuniões internacionais sobre como arranjar justificações que apaziguem os ânimos daqueles que sabem que se está a cometer crimes graves.
Ontem no Publico online lia-se a noticia de que o ministro do ambiente, que eu nem sabia quem era (agora fiquei a saber que é mais um lambe-botas, como tantos dos nossos políticos portugueses), quer arranjar um compromisso de admitir a caça à baleia caso se exija um reforço de medidas de conservação e redução da caça. Ora, isto não é só a mim que parece um paradoxo. O que me chateiam são estes compromissos da treta à custa dos outros, que neste caso leia-se à custa das baleias. Mas será que as noticias recentes (semana passada) e graves de o aquecimento global ser muito pior do que se imagina só chegaram a alguns? Será que a noticia de que a caça à baleia disfarçada de ciência não passar de um embuste, também só chegaram a alguns? Será que o egoísmo cego e o lambe-botismo atingiu já limites patológicos tão graves? Eu sei que só não se pode dizer que se estão a marimbar para a tortura animal ou espécies em perigo, porque isso daria logo justificações boas para se combaterem estas questões em termos legais, ao nível de tribunais internacionais. Logo, lá andam eles a fazer reuniões para arranjar desculpas que soem a aceitáveis e lhes poupem chatices e pesos na consciência. Que tal focarem-se na resolução de problemas existentes e eminentes em vez de os criarem? Olhem, em vez de andarmos para a frente, se calhar o melhor mesmo, é voltar a instituir a pena capital, assim já podemos dizer que assumimos querer voltar a ser uma sociedade da idade média, pouco esclarecida e insensível aos direitos e ao sofrimento do que nos rodeia. Recuem no tempo e façam já tudo de uma vez. Nem sempre o que é errado é questionável, e o que é obviamente errado dá-me dores de cabeça.
(imagem daqui)
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