Queríamos ver o filme „The Reader“ em Hamburgo na versão original. Corremos com o GPS para encontrar o cinema (que como o leitor sabe não corresponde ao mesmo que correr sem o GPS) das versões originais na cidade e acabámos no Abaton. Duas filas enormes de pessoas (do que é que havia de ser) denunciavam que estávamos no sitio certo. Não sabíamos qual a fila para comprar bilhetes e de vez em quando um rapaz alemão vinha cá fora anunciar que quem tivesse bilhetes reservados para ver Milk devia ir para a fila da direita (a fila expresso) e os outros para a da esquerda (a lesma). Mas nós não queríamos ver o Milk, queríamos o The Reader, e para esse qual a fila. Ninguém sabia. Perguntavam-nos qual a fila para comprar bilhetes. Nós também não sabíamos. E o rapaz vinha a cada cinco minutos, quem tem reservas para o Milk vai para a fila expresso, os outros podem ter esperança de arranjar bilhetes para hoje. Uai, mas e o The Reader? Já sei, vais tu para essa fila que eu fico nesta. O The Reader não está neste cinema. Está, está, vi na net. Então pergunta tu (cliché alert: ai, a maioria dos homens para perguntar seja o que for). Vai estar, mas só no dia 26. Digo-te que este Milk deve ser mesmo bom, já viste esta enchente. Então, quem sabe, talvez consigamos bilhetes para esta sessão. Os últimos dois bilhetes da sessão. Lugares separados na 3a fila. Ohh, não tem piada lugares separados. Os dois últimos bilhetes e a multidão intelectual entusiasmada a nos contagiar. Compramos. Para os lugares 3 e 13 na 3a fila. Viajei até Hamburgo de comboio, no vagão 6, lugar 66. Ainda bem que ser supersticiosa dá azar. O filme Milk é fabuloso. Um bom script, bons actores. Muito bem filmado, conseguem transmitir na perfeição o ambiente dos anos 70 recorrendo a uma boa mistura de imagens reais. Todas as pessoas deviam ver este filme. Principalmente todas as pessoas em Portugal. Perto do final do filme a rapariga ao meu lado deita umas lágrimas e o rapaz do meu lado esquerdo também. Começo a desconfiar que estou sentada entre homossexuais. Pelo menos dois terços do cinema nao se levanta quando o filme acaba e, eu, sentadinha sozinha, presa entre pessoas que não se levantam (pelo menos, as filas inteiras à minha volta), fiquei ali. A ver os créditos até ao fim. Algo que devia fazer mais vezes, eu sei. Foram os minutos mais poderosos do filme todo. Todas aquelas pessoas sentadas, com lágrimas nos olhos, emocionadas, em silêncio, e eu a olhar para as suas caras meio timidamente. Tentava adivinhar o que sentiam. O filme é bom. Mesmo muito bom. Mas eles e elas sentiam mais do que eu. Sem ter a certeza (como ter a certeza do que os outros sentem), senti-o. Fizeram-me senti-lo. Respeitei o silêncio, respeitei os créditos. E, pela primeira vez, entendi melhor do que nunca. Pela primeira vez pensei “Porra, eles sentem-se mesmo discriminados no mundo”. Não que não soubesse antes. Eu, defensora dos direitos humanos, defensora de igualdades de tratamento para todos. Blá. Blá. Blá. Só realmente entendi ali, durante os créditos daquele filme. Cá fora, abraçavam-se e olhavam-se emocionados. Saímos os dois tocados pela experiência. Agradecidos por o The Reader estrear só dia 26. Agradecidos pelos dois últimos bilhetes do filme Milk.
3 comentários:
vais gostar do "The reader" também. (noutro género)
Tenho que ir ver o Milk.
Ecila, obrigada pela descricao que, de tao visual, me deu a sensacao de estar no cinema contigo. Penso que qualquer minoria, por constituir um elo mais fraco, é sempre alvo de discriminacao, positiva ou negativa. Só se dá valor quando se passa pelo mesmo. Tenho de ir ao cinema, gostaria de presentar o mesmo que tu. Uma beijoca!
Ariadne, vale a pena ver o milk (versao original claro), nao sei se tive uma certa sorte por ter visto em Hamburgo num cinema alternativo. Por outro lado acho que todos os cinemas de versoes originais na Alemanha sao alternativos (que sorte a nossa :-)). Beijinhos!!!
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