domingo, 31 de maio de 2009

Historias de engomar















(foto daqui)



Não tenho ferro de engomar. Nem tenho tábua de passar a ferro. Deixei isso tudo em Portugal. Ou seja, há mais de 6 anos que não toco em vapores que não sejam os das saunas. Descobri que, não trabalhando numa empresa, era possível viver sem ferro de engomar. Estico sempre tudo bem esticadinho antes de estender na corda (que aqui é um daqueles estaminés que se abrem e se deixam no meio do quarto até a roupa secar). Sempre que vou a casa (Portugal é a minha casa) ouço histórias de engomar que me deixam a pensar. Histórias de engomar são algumas das minhas preferidas, adoro perguntar e saber no que é que as pessoas passam o tempo. Sei de pessoas que passam a ferro a roupa interior, cuequinha, por cuequinha, boxer por boxer. Sei de outras que passam a ferro as toalhas turcas, aquelas que penduramos na casa-de-banho para enxugar as mãos. Sei de pessoas que lavam à mão as calças de ganga antes de as pôr na máquina-de-lavar-roupa. Põem as calças de ganga na banheira e esfregam aquilo tudo com detergente. Antes de pôr na máquina-de-lavar-roupa. Tive que repetir a frase porque é uma ideia um pouco confusa para mim.

Uma vez depois de um jantar de família, levantei-me passado um tempo para ajudar as mulheres na cozinha. Os homens ajudaram a levantar a mesa e pronto. Quando cheguei à cozinha deparei-me com o trabalho imenso que estas mulheres tinham pela frente. No vai-vem de uma cozinha atarefada e cheia de mãos, reparei na louça amontoada para lavar e ofereci-me para o fazer. Depois de lavar à mão uma pilha enorme de pratos, copos, talheres e tachos (todos detestamos os tachos), deixei-os a enxugar na pedra. Entretanto, chega a Maria com um alguidar e começa a pôr dentro tudo o que lavei. Vi-a sair da cozinha e perguntei-me se iria enxugar a louça e arrumar tudo. Desnecessário a meu ver, pois era muita louça, mais valia deixá-la secar na pedra. Já me preparava para a ajudar, mas antes pergunto à Constância "onde é que a Maria leva a louça?". Ela, meio sem jeito (ela que nunca deixou o filho homem levantar-se por ele próprio para ir buscar um copo de água), responde-me que a Maria tinha ido pôr a louça na máquina. A louça na máquina? Depois de eu lavar aquilo tudo à mão. Virei-me para o meu primo "...ehhh...a Maria foi pôr a louça que eu lavei (com detergente e esfregadissimo) na máquina. Mas que... ?!?". Ele riu-se. "Eu também não entendo, não me perguntes". Foi essa a última vez que ajudei a Maria com a louça. A Maria também passa a ferro tudo o que tenha tecido e gosta de cortar árvores e arbustos. Sempre que a visito ouço-a a instigar o marido para podar as árvores do quintal, cortar as que estão velhotas, podar as plantas, arrancar as ervas. Arrancar, cortar, podar. A palmeira já foi cortada, depois de a ouvir repetidamente dizer ao marido para o fazer. "Aquele limoeiro tem que ir à vida" é a frase que ouço agora. O limoeiro, a minha árvore preferida, vai ser o próximo. "Off with their heads", vejo-a muitas vezes vestida de rainha de copas.

Tanto a Helena (a das calças de ganga) como a Maria são mulheres que se queixam imenso do trabalho que têm com as tarefas de casa. Queixam-se permanentemente. Eu até gosto de ouvir, porque gosto delas. Os pormenores que descrevem lembram-me os meus tempos de clínica, aqueles em que ouvia as pessoas em consultório. Estão presas em historias de engomar. Historias que elas próprias criaram, para ter depois reconhecimento, alguma réstia de atenção, e uma forma de descarregar as suas contradiçoes, as suas crenças disfuncionais. Infelizmente não lhes consigo dizer que as acho umas excelentes donas de casa. Porque não acho. Acho que têm poucos interesses extras, acho que as telenovelas e os livros-light lhes fazem mal à cabeça, acho que são o produto de um traço patológico da sociedade. Só as ouço e questiono. São uma espécie de donas-de-casa daquelas que se vêm em filmes e em séries de TV. Existem. Existem e trabalham fora de casa também, a Helena ganha mais do que o marido. A Helena passa a ferro as meias todas, mesmo as meias brancas desportivas de homem. Os maridos não entendem metade do que se passa, mas têm garantido um serviço de 5 estrelas a baixo custo. E mesmo que não as considerem as companheiras de sonho (o marido da Helena há mais de três anos que não a beija) dá-lhes jeito. Não é que não goste de histórias de encantar, mas gosto mais das histórias de engomar. São mais realistas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Culture matters









(imagem de spiegel international online)


Descobri um blog hilariante para quem vive (tenta viver) na Alemanha. Sabe bem verificar que a visão que nós temos de uma cultura confirma-se pelos olhos de outros estrangeiros que, ainda por cima, vêm de outro continente. Eu chamo isto de "culture trait confirmation". Ou seja, pelos relatos de várias pessoas de diferentes culturas a viver num país, se vai distinguindo comportamentos que fazem parte da cultura desse povo/país, daqueles comportamentos que fazem parte da personalidade individual. Sem contar com as excepções, claro. Para os estrangeiros é muito útil entender a cultura do país onde se vive, pois assim que se entende a cultura, aceita-se melhor a diferença. Considero até a identificação do que é cultural como o factor mais importante para a adaptação.

Nem sempre os políticos entendem isto. Foi por isso que fiquei surpresa ao ler sobre a escola para homens que oferece cursos sobre a cultura alemã a homens estrangeiros. Estes são geralmente de origem turca e sentem alguma dificuldade em lidar com a emancipação feminina na Europa. E eles estão a viver na Alemanha, um país que não conheceu a emancipação feminina no seu verdadeiro significado, faria se eles vivessem em países mais igualitários. Mas tirando este pequeno aparte, parece-me natural que pessoas vindas de culturas patriarcais como as culturas muçulmanas, necessitem de ajuda para lidar com as novas mulheres (mais esclarecidas digamos) que têm em casa (ou que acabaram de perder). Isto para evitar algo que acontece muito por aqui, que são os chamados crimes de honra, assassina-se a filha, esposa, irmã, para salvar a "honra" da família. Claro que só frequentam as aulas, os homens que se deram conta que têm que mudar, o que a mim já diz muito sobre o tipo de homens que ali recorrem. O querer aprender, mudar, melhorar, não é para todos. Ainda assim, acho muito interessante o sucesso que estes grupos estão a ter, pois já existem, em Berlim, oito grupos de homens estrangeiros moderados por psicólogos. Um dos tópicos é sobre os benefícios do sistema social alemão. Enquanto que na Turquia, as mulheres são, em regra, financeiramente dependentes do homem, na Alemanha não. Uma diferença que, obviamente, e em todo lado no mundo, liberta. E mulheres livres é algo que, em geral, os homens de cultura muçulmana, principalmente os mais velhos, têm certas dificuldades em entender e aceitar. É aqui que muitos dos problemas de honra começam (já percebi há muito que honra e liberdade são conceitos que se dão mal). O psicólogo tenta então fazê-los entender que a honra depende do comportamento do próprio e não do comportamento dos outros. A conversa tem por foco uma mudança de mentalidades e melhor aceitação dos costumes modernos da Alemanha. Os resultados são muito positivos e têm-se evitado conflitos violentos. Isto para dizer que qualquer país beneficia de iniciativas deste género. Cursos sobre a cultura de um país, oferecidos por psicólogos, é das melhores ideias que já li! Fica a sugestão para os serviços e instituições ligados à imigração.

Aqui o link para o blog sobre a Alemanha (escrito por americanos, é também divertido verificar as diferencas entre EUA e Europa).
Aqui o link para o artigo sobre as escolas de homens.

Quanto a diferenças culturais entre Portugal e Alemanha, há muitas (ha ha ha), mas assim de repente, lembro-me (todos os dias) da rapidez com que os alemães almoçam. A primeira vez que almoçamos com alemães nem queremos acreditar. Eles engolem (com poucas maneiras) o almoço todo em 10 minutos e depois ainda batem com os dedos impacientemente (sim, no inicio aconteceu-me mais do que uma vez) enquanto nós nos engasgamos a tentar sorver (já sem maneiras também) o que ainda temos no prato, que por essa altura ainda é mais do que dois terços. Um dos conselhos do blog acima: "Do not attempt to participate in the conversation, focus solely on eating as fast as you can." Todos os estrangeiros na Alemanha vão agradecer a preciosa dica.

(acho que este post tinha dado para, pelo menos, três posts separados, mas pronto).

sábado, 23 de maio de 2009

Algo tem que mudar para que tudo fique na mesma

(foto de Ana Florêncio)


















Passei o dia 25 de Abril deste ano na Herdade Freixo do Meio em Montemor-o-Novo, Alentejo, e foi fabuloso. Continuo a suspirar quando penso nesse dia. Diverti-me, conheci pessoas interessantes e percebi melhor o que uma quinta com preocupações biológicas significa. Não sabia que existiam tantas pessoas interessadas neste formato de agricultura e produção alimentar sustentável, mas o evento que se chamava Encontro de Primavera, acabou por ter milhares de visitantes (!!!!!), fiquei surpresa para ser honesta. Foi o melhor evento do ano (até agora) e meu querido destino, fica aqui o pedido, por favor põe mais eventos assim na minha vida (aliás, podes mesmo pôr-me uma quintinha assim na mão - e, vocês a pensar, depois não te queixes).

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Não caio noutra (até ver)

Telefonaram-me hoje. "Hallo, o Christopher convidou-te para uma festa no Sábado, podes ir?" O meu cérebro parou (-me) uns milésimos de segundo, começou a rever uma certa noite de fim de semana do mês passado, excertos das conversas passaram em rodapé em frente aos meus olhos (o meu cérebro elabora autênticos shows), um sentimento de sede imensa invadiu-me ."..Hallo?" "Sim, sim, estou aqui...espera, o Christopher vive no Japão?"

Talvez esta lição tenha aprendido.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Falta de visão e muito betão!

Um amigo quis que eu visse as mudanças na Costa da Caparica, mas não me disse quais eram. Esperou pacientemente (e acho que com um sorrizinho interior irónico) para ver a minha cara. Os meus amigos conhecem-me bem. E eu toda feliz, Oh que querido quer que eu veja o mar. Qual mar, qual praia. O mar deu lugar àquilo que mais abomino em Portugal, o betão. Ao chegar à Costa só vi betão. O betão às bolinhas (haja falta de gosto até no betão) cinzento tapa toda a vista de mar ao chegar à Costa. Comecei logo a barafustar. E ele a rir. Eu sei que o problema é meu, se não são os outros que têm falta de visão, logo devo ser eu. Ouvi de várias pessoas com quem falei que sim senhor, aquilo agora está melhor, ao menos os bares estão todos iguais. Os bares estão todos iguais? Não sei bem o que é que isso contribui para a felicidade do pessoal, mas eu só vejo é barbaridades arquitectónicas e estruturais. O antigo restaurante, que até era giro, da Carolina do Aires, é nada mais do que uma caixa de madeira igual às outras. Caixas de madeira modernas, descaracterização no seu pior. Já para não falar do novo edifício logo à entrada da rua principal que é assim uma espécie de atentado à beleza. E que ainda por cima foi feito em cima (sim em cima) de uma casa térrea que lá havia, típica das regiões costeiras, com um painel de conchas à entrada. Não sei porque é que as pessoas acham que o que se faz de novo é sempre melhor, apenas porque se fez algo. Eu acho que se não é para fazer melhor então mais vale estar quieto. Acho que se deve usar o dinheiro (que pelos vistos existe) para restaurar o típico da região, promover a qualidade de vida. Qualidade! O que ainda salva a Costa são as palmeiras, que sempre dão um ar de Verão à paisagem, as palmeiras têm a boa função de melhorar (disfarçar) as paisagens agressivas (como a cidade da Costa da Caparica). E assim, enchemos as nossas costas de betão. Enchemos as nossas áreas em tempos protegidas, de betão. O que me leva à conclusão que quem faz isto só tem uma coisa na cabeça (em vez de cérebro): betão!

E a mania de colocar nas rotundas (ala, sagrada terra das rotundas) e em tudo o que é espaço verde, esculturas metálicas ferrugentas? De onde é que vem esta brilhante ideia (brilhante quando chove e bate o sol)? Acho mesmo que enquanto não destruirmos tudo o que temos de belo, não descansamos (mesmo as rotundas, que não podem ser deixadas em paz apenas com relva e árvores). Isto lembra-me o novo restaurante numa aldeia que já foi do meu coração (deixou de ser depois de ter sido invadida pelos britânicos e os seus campos de golfe e marinas poluentes de praias outrora paradisíacas), pertencente a uma família minha amiga. O novo restaurante, orgulho da terra, era nada mais nada menos que um bloco de dois andares (numa aldeia térrea do Algarve) com uns arcos em rosa no topo, um dos edifícios mais feios em que pus os olhinhos, e reparem que em Portugal isso até é difícil de conseguir. Agora a sério... há falta de visão em Portugal ou sou eu que preciso de óculos (talvez de armação de ferro ferrugento)?

sábado, 9 de maio de 2009

Um mundo menos perfeito









Voltei e julguei que ia encontrar tudo na mesma, isto porque a minha urgência de mudanças não inclui pessoas e sim espaço. As pessoas que gosto quero-as sempre comigo, gosto de constância nessa área. Qual não foi o meu espanto (susto!) quando descobri que o mundo perfeito fechou, contribuindo assim para um mundo menos perfeito. Desde que pus os olhos no blog da Isabela que me tornei uma seguidora. Sim, seguidora, sigo quem gosto e não tenho reservas em o fazer, seja em que universo for, o da internet ou o da vida real. Sempre achei que o que ela escrevia eram textos deliciosos, cheios de coragem, determinação, verdades que o mundo necessitava de ouvir, e neste caso, de ler. E, espanto dos espantos, concordei sempre com o que lia (o que nem é relevante, apenas um facto). E agora? Agora, não sei quem poderá substituir tal lacuna. Queria mesmo muito que a Isabela não desistisse deste universo. Vou esperar pacientemente. Esperar que ela volte e que eu venha a saber. Pois vou segui-la, vá para onde for, escreva onde escrever. Se se tornar deputada votarei no seu partido, se resolvesse fundar uma instituição de protecção animal, ficaria sócia e voluntária, se se tornar escritora de livros, comprar-los-ei para mim e para oferecer a todos que leiam, se, se...seja o que for, volta Isabela, porque o mundo sem a tua escrita ficará mais pobre. Não só o meu mundo. Mas o mundo mesmo, o mundo que já escasseia de pessoas verdadeiras, onde o aborrecido (secante) politicamente correcto esconde a podridão da intolerância, do diz-que-disse, da falta de espírito critico. Voltei e encontrei um mundo mais triste, não só no que vejo, mas também no que leio. E não queria perder a esperança. Tenho esperança nas mentes brilhantes, não nas dos filmes, mas nas da realidade, naquelas que vislumbro em certas e raras pessoas. E não me conformo quando por força da maldade alheia, estas pessoas desistam, ou sintam que não podem continuar. Podem continuar sim! Porque as suas palavras são mais importantes do que as interpretações que delas fazem. As interpretações nunca me interessaram. O mundo perfeito era assim, cru nas suas verdades. Sem interpretações. E era assim que era perfeito. Ora bolas...