domingo, 30 de agosto de 2009

E ela contou-me as suas experiências durante a guerra

Os russos são a destruição. Primeiro vieram os americanos, eram simpáticos, davam doces às crianças, punham-nas nos tanques, riam. Também se metiam com as raparigas, claro. Eram soldados. Mas nada de demasiado desrespeito, diziam piropos. Berlim era russo. Todo russo. E então, Berlim foi negociado, metade de Berlim em troca de algumas cidades americanas. Foi assim que os americanos nos abandonaram. Vimos-los ir embora com o coração nas mãos. Ninguém queria os russos. Os russos eram a destruição. Nós tínhamos um conjunto de turcos para a casa-de-banho, algo daquele tempo, sobreviveu à guerra e era um dos poucos valores que possuíamos, muito bonito. Quando eles entraram em casa - eles foram a todas as casas - despedaçaram esse conjunto de turcos aos pedacinhos com as baionetas. Mas porquê? perguntei. Com o propósito de destruir. Apenas isso. Quando foram (invadiram) a casa de uma amiga nossa, ficaram embasbacados com a casa-de-banho, lavaram a cara na sanita, não sabiam para que é que servia. Não podíamos tocar musica, porque eles vinham e levavam todos os instrumentos musicais, todos os pianos foram levados. Deixámos de tocar e ouvir musica. Certa vez, mandada pela minha mãe, ia eu com uma amiga buscar legumes, que chegavam uma vez por semana de Dresden, quando fomos perseguidas por soldados russos. Eram brutos e cruéis. As mulheres eram espezinháveis, as mulheres alemãs eram todas para serem insultadas, agredidas. Estávamos em apuros. Tivemos a sorte de um homem forte se aproximar de nós, de nos abraçar e dizer "minhas filhas onde é que andavam? Já para casa!" e empurrou-nos para dentro da sua casa. Escapámos por um triz. Muitas não tiveram a nossa sorte. A minha mãe dizia-me para andar sempre com as chaves entre os dedos e para acertar certeira entre as pernas. Odeio os russos. Os russos foram a destruição. As gerações seguintes não querem ouvir as nossas historias, acham que éramos todos nazis. Não éramos, não tínhamos escolha, vivíamos no terror de uma ditadura. Não falávamos, as pessoas tinham medo. E depois passámos a viver no terror dos russos.

4 comentários:

Manuela Araújo disse...

Não há guerra que não tenha sofrimento de todos os lados. Guerra é sofrimento, é estupidez.
Quantos os que sofrem, quanto o ódio que se amplifica e de dispara para todos os lados como atroz violência.

ecila disse...

Manuela é mesmo isso.

CCF disse...

Os ditadores são sempre os mesmos, independentemente das nacionalidades. Excelente relato.
~CC~

ecila disse...

CCF muito obrigada :) Foi um relato em primeira mão vindo de uma senhora que admiro muito, enquanto tomava café na casa dela. E se o meu alemao fosse melhor teria com certeza mais pormenores para relatar.